Começo o artigo desta semana fazendo uma simples pergunta: será que o presidente da república, ainda que bem intencionado, sabe quando está praticando atos que podem ser questionados sob o prisma do crime de irresponsabilidade a ponto de interromper seu mandado? Ou, que podem submetê-lo ao processo de impeachment?
Os ditos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da república, no exercício do munus para o qual fora eleito, correspondem às infrações político-administrativas cometidas no desempenho da função presidencial.
Essa conceituação clássica, inserta na hermenêutica da Constituição Federal tipifica como crimes de responsabilidade condutas que atentem contra a Constituição e, especialmente; (i) contra a existência da União; (ii) o livre exercício dos Poderes do Estado; (iii) a segurança interna do País; (iv) a probidade da Administração; (v) a lei orçamentária; (vi) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; e, (vii) o cumprimento das leis e das decisões judiciais, bastando ver o artigo 85, da Lei Maior e a Lei 1.079/1950.
Ainda que já seja um tema repisado, especialmente, porquanto foi utilizado como tese central do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, voltou à tona recentemente pelas demonstrações do primeiro mandatário da república, nos recentes casos das manifestações ocorridas no recente dia 15.03.
Ao incentivar atos contra os poderes e, ainda mais, tratar a pandemia do COVID 19, sem a importância que o caso requer, o Presidente da República produz comportamentos capazes de permitir a abertura de processo de responsabilização contra si?
A seara política tem elevado a temperatura nesse desiderato. Inclusive, alguns parlamentares já protocolaram os requerimentos de impeachment.
Nessa linha de debates, falou e decano do STF:
“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”. Celso de Mello, Ministro decano do Supremo Tribunal Federal.
Vou propor avaliar dois artigos, um da Lei 1.079/1950, o artigo 9º., inciso 7, combinado com o artigo 85, inciso III, ainda que, este de hierarquia prevalente.
Na Lei especial está escrito:
o 9º da Lei 1.079: "São crimes de responsabilidade contra a probidade da administração:
7) proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Na Carta Magna se lê:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais
Em miúdos, ao não tratar as orientações da Organização Mundial de Saúde e do próprio Ministério da Saúde com a seriedade que o caso requer, expondo diversas pessoas à possibilidade de contágio – vários assessores próximos ao presidente e diversos ministros de estado - ao contágio e mais, contribuir para que esse comportamento seja replicado pelo Brasil a fora, atentou contra o artigo 6º. da Constituição, verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Nesse sentido, data venia, praticou ato incompatível com o cargo e incidiu no crime de responsabilidade, sendo passível de abertura de processo.
Não somente porque participou isoladamente de atos; não somente porque recalcitrante no estabelecimento de medidas de combate à endemia; não só por diversas manifestações públicas em contrassenso ao trabalho incansável da saúde pública brasileira...
O mandatário ainda não encontrou o caminho mais digno e esperado do cargo para o tratamento da tragédia que está em curso.
O emérito professor e jurista sergipano, tem opinião sobre o tema:
Antes, porém, da transcrição de tal parágrafo único, o que me cabe é avançar na direção do inteiro significado técnico dos atos constitutivos dos crimes de responsabilidade do presidente da República. Atos atentatórios da Constituição e “especialmente” daqueles que venho apontando como dos mais relevantes conteúdos dela mesma.
Faço-o por modo esquemático, para dizer que:
III – são atos afrontosos da ideia mesma de Constituição. Da Constituição para além e também por qualquer dos sete mencionados aspectos ou conteúdos republicano-federativos. Situação que não toma corpo, por evidente, apenas com o episódico ferimento deste ou daquele dispositivo constitucional (tão ocasional quanto isoladamente, então). Quero dizer: não basta agir em desconformidade com esse ou aquele preceito da Constituição, nem da lei, mesmo que da lei de improbidade administrativa ou então da lei orçamentária, para que se tenha como automaticamente deflagrada a hipótese do crime de responsabilidade do presidente da República. Assim como não basta desatender uma decisão judicial, topicamente considerada, ou negar esse ou aquele direito individual, ou social, ou político, ou ainda que o presidente da República incorra em atos que também impliquem, pontualmente, um abaixar a cabeça da União em face de pressões advindas dos Estados-membros, para que se tenha como rotundamente materializadas as respectivas hipóteses de incidências do crime em foco. (Definições de crimes de responsabilidade do presidente da República, revista Conjur, 1 de setembro de 2015, 18h01, Por Carlos Ayres Britto).
Ao insistir na tese da pouca importância sobre o tema; ao não mobilizar de forma central os poderes da União; ao não utilizar a liderança legitimamente conquistada no voto; ao não reforçar o papel do Sistema Único de Saúde e seus profissionais; ao não definir junto com os governadores medidas estruturadas em prol da população, comete crime de responsabilidade.
De fato, a fala e os atos do Presidente da República, figura política de elevado destaque, devem estar submetidos à norma constitucional e a legislação infraconstitucional. Inclusive, porque, ao tomar posse o ocupante do cargo jurou fazê-lo.