A aquisição de respiradores para as unidades hospitalares pelos estados federados trouxe o tema à tona. Não se discute a urgência decorrente da Pandemia, mas, é possível adquirir bens e serviços com pagamento antecipado pela administração pública?
A regra instituída pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos é o pagamento contraprestação de serviços ou entrega bens comprados.
É que no procedimento administrativo – processo administrativo – há a figura do ritual processual que importa no empenho, na autorização da compra, no atesto do serviço ou do recebimento do bem, na liquidação da despesa e no pagamento.
A Administração deve realizar o pagamento somente após o cumprimento da obrigação pelo particular contratado. Alterar a regra, portanto, exige situação configurada como excepcional.
A lex licitatória trata dessa possibilidade de forma derivada, sem atribuir de fato, segurança jurídica ao gestor no momento da tomada de decisão. É o que se depreende da leitura dos artigos 40 e 56 da Lei 8.666/1993.
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
XIV - condições de pagamento, prevendo:
d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos; (gn).
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
Sem embargo de pensamentos divergentes, o Tribunal de Contas da União há muito tem tratado do tema.
As manifestações do TCU encaminham o tema para a possibilidade desde que, configurem exceções e diante de alguns requisitos: (i) previsão no instrumento convocatório; (ii) configurada excepcionalidade; (iii) interesse público objetivo; (iv) estipulação de garantais; (v) proporcionar economia de recursos. Bastante ver o (Acórdão TCU nº 1341/2010)
O sodalício, há muito, entende que a “inclusão de cláusula de antecipação de pagamento fundamentada no art. 40, XIV, alínea d, da Lei 8.666.93 deve ser precedida de estudos que comprovem sua real necessidade e economicidade para a Administração Pública.” (TCU. Acórdão 1826/2017 Plenário, Representação, Relator Ministro Vital do Rêgo.)
Destacamos que segundo o TCU, as normas de direito financeiro impõem a liquidação das despesas por ocasião da entrega definitiva do bem ou realização do serviço, conforme artigos 62 e 63 da Lei 4.320/1964, e, nesse sentido, a administração deve com clareza perceber que naquele momento o legislador sequer imaginava que as relações contratuais passariam por tantas mudanças e modernizações, permitindo-se tal prática diante do cumprimento de certos requisitos.
Nesse diapasão, vale destacar, o trecho de orientação normativa da Advocacia Geral da União, sobre o tema:
“A antecipação de pagamento somente deve ser admitida em situações excepcionais, devidamente justificada pela Administração, demonstrando-se a existência de interesse público”, observados os seguintes critérios:
- Represente condição sem a qual não seja possível obter o bem ou assegurar a prestação de serviço, ou propicie sensível economia de recursos;
- Existência de previsão no edital de licitação ou nos instrumentos formais de contratação direita; e
- Adoção de indispensáveis garantias, como as do artigo 56 da Lei nº 8.666/93, ou cautelas, como por exemplo a previsão de devolução do valor antecipado caso não executado o objeto, a comprovação de execução de parte ou etapa do objeto e a emissão de título de crédito pelo contratado, entre outras.” (Orientação Normativa nº 37, de 13 de dezembro de 2011.)
O que condicionará a possibilidade jurídica de pagamento antecipado é a demonstração de extraordinária situação enfrentada pela Administração Pública, sopesando a comprovação do interesse público envolvido e sua real necessidade, e, ainda, a economicidade que representará à Administração, aliado ao devido planejamento e estabelecimento de regras contratuais claras que garantam o fim objetivado e que mitiguem os riscos.