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A IMPORTÂNCIA DA CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Ainda que não seja recente, o debate sobre o tema improbidade administrativa sempre está na
moda e continua provocando discussões acaloradas.


Nesse campo, o que é probidade administrativa? Os estudiosos do direito afirmam ser aquele comportamento sublime, indene de dúvidas, ético, respeitoso à coisa pública (res publica). Lembro de “seu Horácio”, Horácio Fernandes Fontes, prefeito de Boquim, que fiscalizava as obras municipais trafegando com seu fusquinha, destacando que o dinheiro público não deveria ser gasto com o transporte do gestor, mas aplicado para os munícipes. Bons tempos!


A Lei 8.429/1992 (LIA) que trata do tema elenca, nos artigos 9º. a 11, quais são os comportamentos que estão no seu foco: atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que violam princípio da Administração (art. 11).


Temos notado, nas lides conduzidas pelo escritório ao longo do tempo, talvez pelo açodamento de alguns, a ausência dos elementos que permitem a denúncia. Não é incomum o cliente procurar a assessoria jurídica do escritório sem ter claro qual comportamento na gestão permitiu a sua inclusão no polo passivo da ação.


Sujeitos ativos do ato de improbidade são os agentes públicos ou terceiros que concorram para o
ato, ou dele se beneficiem. Agentes públicos são todas as pessoas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal.

 

Dispõe o artigo 3º da Lei de Improbidade Administrativa que as sanções previstas são aplicáveis a todos que participem do ato ilegal, portanto pelo princípio da isonomia previsto no artigo 5º, caput da Constituição Federal, todos os envolvidos serão acionados.


Inclusive, a bem dizer, notável contribuição tem dado a doutrina e a jurisprudência ao delimitar o
que de fato é comportamento ímprobo, ilegal.


Improbidade é figura que exige essencial intencionalidade delitiva, a vontade ativa e efetiva de praticar ato sabidamente inadmitido pelo direito. Trata-se da má-fé plenamente caracterizada, ou seja, é a má intenção do agente, o dolo, translúcido, configurado.


Ninguém, portanto, é ímprobo por acaso, nem desonesto por imperícia, nem “velhaco” por imprudência, nem inidôneo se não quiser sê-lo ostensiva e propositadamente. É ato volitivo.


Embora transcorridos quase vinte anos desde a promulgação da Lei nº 8.429/1992, é factível que o processo de construção dogmática dos denominados “atos de improbidade administrativa” ainda não alcançou contornos definitivos. Um dos aspectos mais controversos diz respeito aos contornos conceituais e à funcionalidade que a denominada má-fé ostenta nesse processo. De modo algo paradoxal, a expressão, embora citada com relativa frequência pela jurisprudência, raramente tem o seu significado explicitado com observância de padrões mínimos de objetividade, isso para fins de apreensão do interlocutor, e muito menos é esclarecida a natureza de sua influência no âmbito da teoria dos atos de improbidade. Não é incomum que as referências à má-fé, quando existentes, limitam-se à afirmação de que ela está presente e a improbidade administrativa configurada, ou que, por não estar caracterizada, deve ser afastada a incidência da Lei nº 8.429/1992. (GARCIA, Emerson et ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris (e-book), 2017).


Remansosa jurisprudência tem tratado do tema, sempre com o mesmo entendimento:

(...)
Os atos ímprobos descritos no artigo 11 da lei 8.429/92 não se confundem com simples ilegalidades administrativas ou inaptidões funcionais, devendo apresentar alguma aproximação objetiva com a essencialidade da improbidade, 
consubstanciada na inobservância dos princípios regentes da atividade estatal — legalidade, impessoalidade, honestidade, imparcialidade, publicidade, eficiência e moralidade. Numa palavra, a desonestidade.
A textura aberta do preceito exige, para evitar resultados sem razoabilidade, um certo temperamento na sua aplicação, para que meras irregularidades não sejam consideradas atos ímprobos e atraiam as consequências severas da lei. A moralidade, por ser um princípio de conceito indeterminado, vago, necessita estar associado a outros princípios, como o da legalidade.
[…]
A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não é toda ilegalidade e/ou imoralidade que caracterizam um ato de improbidade.

No STJ e no STF o tema tem sido tratado com a mesma galhardia, a exemplo do REsp1558038/PE, da relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª. Turma, DJe 09/11/2015:

A LEI 8.429/92 É DESTINADA A PRESERVAR O VALOR DA PROBIDADE NA GESTÃO DA COISA PÚBLICA, POR MEIO DO COMBATE AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE AGENTES PÚBLICOS, O DANO AO ERÁRIO E A VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS NUCLEARES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NÃO SE CONFUNDE IMPROBIDADE COM A MERA ILEGALIDADE, OU COM UMA CONDUTA QUE NÃO SEGUE OS DITAMES DO DIREITO POSITIVO. ASSIM FOSSE, A QUASE TOTALIDADE DAS IRREGULARIDADES ADMINISTRATIVAS IMPLICARIAM VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
(...) HÁ QUE SE TER COMO REFERENCIAL O ATO DO AGENTE PÚBLICO FRENTE À COISA PÚBLICA A QUE FOI CHAMADO A ADMINISTRAR. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO JULGAMENTO DO RESP 1.558.038-PE, ADUZIU QUE SOMENTE SE CLASSIFICAM COMO ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AS CONDUTAS DE SERVIDORES PÚBLICOS QUE CAUSAM VILIPÊNDIO AOS COFRES PÚBLICOS OU PROMOVEM O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO PRÓPRIO AGENTE OU DE TERCEIROS, EFEITOS INOCORRENTES NESTE CASO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Na mesma direção segue o RE 6838385, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, aqui não transcrito por razões de enquadramento de espaço da coluna.

Portanto, sem a vontade de delinqüir, de lesar, de tirar ilegítimo proveito, de locupletar-se indevidamente, de enriquecer ilicitamente, ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma vez que essa pecha somente tem sentido técnico-jurídico, e mesmo lógico, se e quando imputada ao mal-intencionado, ao desonesto de propósitos, ao golpista, ao escroque.