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Lei Geral de Proteção de Dados nas relações de trabalho

“Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”, disse Klaus Schwab, autor do livro A Quarta Revolução Industrial, publicado em 2018.

Na era digital em que vivemos, os dados têm ganhado extrema relevância e, paulatinamente, passando a expressar elevado valor econômico. Há quem diga que os dados são o novo petróleo, sendo considerado o principal insumo da sociedade contemporânea.

O uso indiscriminado de dados pessoais, notadamente em ambientes digitais, deu origem a escândalos recentes de vazamento de dados, como o caso Facebook-Cambridge Analytica, que envolveu a coleta de informações pessoalmente identificáveis de até 87 milhões de usuários do Facebook, que foram utilizadas por políticos para influenciar a opinião de eleitores de diversos países.

Atenta a esse panorama e diante de um vazio normativo relacionado à proteção de dados a União Europeia editou seu Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD, que entrou em vigor em 25/05/2018. Seguindo a regulamentação europeia, o Brasil promulgou a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD.

Na forma do que prevê o art. 1º da LGPD “Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais da liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.

Tratamento de dados, na esteira da conceituação prevista no art. 5º, X, da LGPD, corresponde a “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração”.

No dia a dia das relações de trabalho é fácil imaginar centenas de hipóteses em que o empregado disponibiliza seus dados pessoais ao empregador, antes mesmo de sua contratação com a entrega de seu currículo contendo o histórico funcional de toda uma vida, e durante o vínculo contratual com a disponibilização de todos os seus dados para os fins de registro em CTPS, dados bancários para recebimento do salário, filiação sindical, dados relativos à saúde, atestados médicos, dentre tantos outros.

Até mesmo na fase pós-contratual, isto é, após rescisão do contrato, o empregador permanece, na exata definição do termo, tratando dados dos antigos empregados como, por exemplo, armazenando sua documentação para fins trabalhistas, previdenciários e fiscais, seja por imposição legal ou até mesmo para fins de constituir prova em futuro processo judicial.

Parece-nos, portanto, de clareza solar a plena aplicabilidade da LGPD nas relações de trabalho, bem como a possibilidade jurídica de os empregadores colherem e tratarem os dados relativos aos seus empregados. Cumpre-nos, entretanto, na qualidade de operadores do direito, a árdua tarefa de demarcar os limites a que estarão sujeitos os controladores de tais dados.

Isso porque existem aqueles dados que são exigíveis por determinação legal, hipótese na qual é vedado ao empregado se recusar a fornecê-los, como sua qualificação civil, dados sobre exames de saúde ocupacional etc., que poderão ser obtidos independentemente do consentimento prévio do trabalhador.

De outro giro, há aqueles dados que servem para atender interesses legítimos do controlador (art. 7º, IX). É justamente nesta última hipótese que reside a discussão quanto ao alcance da expressão “interesses legítimos” por se tratar de um conceito jurídico indeterminado. Neste caso, a empresa somente poderá tratar os dados com o expresso consentimento do trabalhador e, ainda assim, desde que sejam resguardados os
direitos e as liberdades fundamentais do seu titular.

Não possuímos a ousada pretensão de esgotar a matéria nos breves apontamentos que ora se registram, em virtude das inúmeras nuances da aplicação da LGPD no âmbito das relações de trabalho, mas é certo que as empresas precisarão se adequar aos contornos trazidos pela novel legislação, tendo em vista que o uso indevido de dados pessoais dos trabalhadores poderá acarretar diversas consequências tanto em âmbito administrativo com a aplicação de multas quanto em âmbito judicial com as indenizações em ações trabalhistas.