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Coronavírus: Incertezas, Pânico e Funcionamento do Estado

O mundo assiste, num estupor misto de paranóia, pânico e esperança, o avanço de uma peste que já se pensava impossível, diante do avanço da tecnologia e do valor por ela agregado à prática da medicina pública. É um evento que faz recorrente a alucinada previsão imaginada pelo saudoso maluco beleza Raul Seixas em um dos seus inumeros sucessos: “O dia em que a Terra Parou”.

 

Em pouco tempo, as máscaras cirurgicas e o álcool gel despareceram do comercio, as prateleiras de víveres dos supermercados de boa parte do planeta se esvaziaram, os museus mais visitados fecharam, os espetáculos públicos foram suspensos e a população se recolheu em casa, aguardando um sinal de vitória na guerra que se trava entre os médicos e cientistas contra um vírus daquilo que parece ser uma gripe forte e nova, inédita e misteriosa.

 

Escolas de todos os continenetes suspenderam as atividades e agora a incerteza levou as autoridades judiciárias de boa parte do Brasil a suspenderem despachos e julgamentos colegiados, mantidas todavia as atividades internas, preferencialmente as que puderem ser desenvolvidas pela crescente modalidade de home work (trabalho em casa).

 

No Superior Tribunal de Justiça, a Secretaria-Geral da Presidência comuinica que, “por precaução, agora, as audiencias ocorrerão por telefone ou por videoconferência, não mais de maneira presencial”, e pede que os advogados informem a forma que preferem para a realização daquelas já agendadas.

 

Em Sergipe, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª. Região suspenderam as audiencias, as sessões de julgamentos e baixaram normas restritivas em relação ao funcionamento das varas e secretarias e aos despachos entre juizes, desembargadores e advogados, numa série de providencias sensatas e necessárias mas que por certo imporão transtornos atuais e efeitos futuros em relação à atividade judicial e ao desfecho de ações em andamento.

 

Trata-se da mais sensata atitude das autoridades diante da constatação do inesperado, uma circunstância natural da vida em seu aspecto existencial e que, por vezes, como agora, diante da magnitude com que se apresenta, desafia a aplicação do conceito legal da força maior e do caso fortuito, tal como se pode extrair do parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, assim redigido:

 

Art. 393 (...)

 

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.


Muito embora os dois conceitos não estejam diferenciados na lei em relação aos efeitos e impactos que representam nas obrigações em geral, aí incluídas aquelas decorrentes da atividade do poder público, em que se configura a chamada Responsabilidade Civil do Estado, o fato é que boa parte da doutrina se esforça em traçar uma diferença entre ambos, essencialmente naquilo que pertence às obrigações de natureza privada.

 

Em relação aos fatos globais e grandiosos, como é o caso da chamada pandemia a que estamos submetidos, essa distinção é de importância reduzida, diante do reconhecido interesse público a determinar a interrupção, suspensão ou paralização das atividades, com o objetivo de preservar o bem maior, a vida.

 

Aqui também, como dito antes, o caso fortuito e/ou a força maior são excludentes da responsabilidade civil do estado, na forma como está prevista no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição, cuja redação foi adotada, com pequenas modificações, pelo art. 43 do Código Civil, ambos agora transcritos:

 

CF, parágrafo 6º do art. 3

As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

 

Código Civil, art. 43:

“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

 

Em conclusão, as providencias já adotadas e divulgadas, bem como outras ainda que possam ser decididas em caso de agravamento da situação, todas elas encontram amparo na legislação e por isso estão imunes à aplicação da Responsabilidade Civil do Estado, diante da calamidade que se abate sobre os povos.