Blogs
Coronavírus e Disciplina Jurídica da Crise

Na coluna de 16 de março ultimo, a primeira escrita sob o advento do virus que se estabelceu como senhor do mundo, escrevi que vivíamos  então um estupor misto de paranoia, panico e esperança com o avanço da peste que nos pegara de surpresa em pleno seculo XXI.

 

Fiz então um alerta, que me parecia pertinente, para as novas relações juridicas, especialmente aquelas inscritas na seara do Direito Contratual, que passariam a se reger sob o prisma do inesperado, esse elemento inafastavel que se implementa para mudar decisoes, atitudes e causas de agir  e por isso, no campo juridico, desafia a disciplina legal da força maior e do caso fortuito.

 

Desde então, inúmeras análises doutrinárias dos efeitos da pandemia na economia e nos direitos das gentes se oportunizaram por muitas vozes, algumas muito mais autorizadas do que a deste humilde estudante, e todas no mesmo sentido e mais além.

 

Tudo isso é dito a propósito da primeira decisão do Tribunal de Justiça do nosso Estado, que na semana passada deferiu medida liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por um dos nossos partidos políticos, para decretar moratória, por 90 dias, da cobrança de parcelas relativas ao IPTU e à TLF, no âmbito do município de Aracaju, suspendendo ainda a emissão de certidões positivas com efeito de negativas, referentemente a esses tributos.

 

Observe-se o alcança da decisão em sua parte dispositiva:

 

“Defiro a liminar, na forma como pleiteada, para deferir a moratória/diferimento da cobrança de parcelas de IPTU e de TLF, pelo prazo de 90 dias, sem juros, taxas ou correção, bem como suspender a emissão de certidões positivas com efeito de negativas referente a esses tributos e suspender a inscrição das mesmas em dívida ativa municipal.”

 

Trata-se de um inequívoco indicativo de que a decisão de questões jurídicas de natureza econômica durante e após a grave crise sanitária que nos atinge sofrerá influência direta da teoria da imprevisão, considerados todos os seus elementos de adorno tutelar, inclusive a força maior, o caso fortuito e até o chamado ato do príncipe.

 

Moratória tributária é instrumento de proteção do contribuinte e como tal tem disciplina específica no CTN, com previsão de uma pluralidade de situações em que sua aplicação se justifica.

 

A medida liminar concedia pelo Tribunal Sergipano tem fundamento exatamente na perda de capacidade de pagamento da sociedade como um todo e assim se apresenta como uma espécie de transição para um tempo que pode ser economicamente melhor ou pior que o atual, tudo dependendo da progressão do vírus e da capacidade humana de contê-lo, o que parece ainda muito distante.

 

Por isso mesmo, não se descarta a possibilidade de evolução dessa moratória para a remissão desses tributos – assim como de outras de competência de entes tributantes diferentes. Remissão é instituto previsto no art. 172 do Código Tributário, onde estão desenhados os seus elementos formativos, e consiste em ato de perdão, total ou parcial, do débito tributário, diante de fatos ou situações que justifiquem a renuncia de receita pelo ente estatal, ao qual está entregue o dever de proteção da nação como um todo.

 

A concessão de medidas dessa ordem tem sido comum nos dias atuais, sendo que alguns municípios têm tido a iniciativa de adota-las, independentemente de decisão judicial. Tudo demonstra que o vírus criou um cenário propício a uma profunda e inédita modificação das relações jurídicas, seja no direito público seja no direito privado, e que devemos estar preparados para atuar segundo esse novo horizonte.