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CINCO ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Parte IV: O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO

A concretização do dever estatal de pacificação social mediante prestação jurisdicional terminativa, isto é, pelo deslinde do mérito da matéria posta em discussão, submete-se ao cumprimento dos requisitos formalmente sistematizados numa ordenação procedimental de observância obrigatória - as chamadas questões antecedentes ou processuais - cuja solução pode atrasar ou obstar o alcance do mérito.

Em qualquer dos casos, a tutela fica exposta às conhecidas e repetidas críticas de demora ou ineficácia, sem falar no comprometimento da distribuição de paz social, um dever basilar do Estado, que a solução extra mérito por vezes contamina.

Celeridade e efetividade, como sabemos, constituem a maior ambição do CPC/2015. Com os olhos postos nesse objetivo, uma das suas mais louváveis inovações está na eleição da supremacia da solução de mérito como premissa objetiva e preferencial à extinção sem julgamento do mérito.

Ela se apresenta no código a partir do artigo 4º: “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa". Logo em seguida o artigo 6º estabelece que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva."

Isso não significa dizer que o juiz deve fechar os olhos aos pressupostos processuais inerentes à sanidade do processo. Eles existem, são importantes e continuam presentes, inclusive para impedir a ambicionada solução de mérito, a teor do que se lê no art. 485.

O que muda, em essência, é a forma de saneamento dessas questões e para isso o julgador dispõe da regra do inciso IX do artigo 139: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais".

Trata-se de uma senha criada para possibilitar a solução imediata e prática de questões de ordem processual e com isso alcançar o julgamento do mérito, sem necessidade de voltar ao começo, como antes, em prejuízo da celeridade e da eficácia do processo.

Em relação aos tribunais, a precedência do mérito se materializa, com especial clareza, nos artigos 932, parágrafo único, 938, parágrafos 1º e 4º e 1029, parágrafo 3º, que modificam profundamente a tramitação dos processos nos colegiados.

Agora, diz o parágrafo único do artigo 932, "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível".

A mudança de atitude se estabelece desde o exame inicial dos pressupostos recursais, cabendo ao relator sorteado o dever de verificar se o recurso atende aos requisitos formais da sua formulação, bem como se foram cumpridos os requisitos extrínsecos à sua regular tramitação.

Antes, na ausência de qualquer desses elementos - por exemplo, o pagamento do preparo - o recurso seria inadmitido in limine, obstando em definitivo o exame da causa pela instância de revisão. Agora, esse e outros defeitos meramente formais serão destacados no despacho que concederá ao recorrente a oportunidade de saná-los no prazo legal de cinco dias, após o que o recurso terá a admissão assegurada.

Na mesma linha, e dilargando ainda mais o critério de aproveitamento da atividade processual, o parágrafo 1º do artigo 938 estabelece que "constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio Tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes".

É dizer, relevem-se os incidentes do percurso para que se possa chegar ao destino. Se o defeito constatado não puder ser corrigido de ofício ou através de simples intimação do recorrente para fazê-lo, o relator determinará o suprimento mediante renovação ou implementação do ato processual omitido ou defeituoso, mesmo que para isso o processo tenha que retornar à instância de origem.

A mens legis é tão cogente que o parágrafo 4º transfere competência ao órgão fracionário ou integral do Tribunal, responsável pelo julgamento do recurso, para fazê-lo, na hipótese de omissão do relator:" Quando não determinadas pelo relator, as providências indicadas nos parágrafos 1º e 3º poderão ser determinadas pelo órgão competente para julgamento do recurso".

A regra é de aplicação obrigatória, inclusive nos tribunais superiores, conforme prevê o parágrafo 3º do artigo 1029: "O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave".

Enfim, o antigo temor de que pequenos defeitos invalidassem um recurso capaz de viabilizar a reforma da decisão agora deixa de existir, uma vez que apenas aqueles de natureza grave - intempestividade, por exemplo – impedirão a tramitação do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário. Os defeitos formais de natureza menos grave serão corrigidos por determinação do relator, antes do julgamento do recurso.