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CINCO ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - Parte III: O NOVO SISTEMA ANALÍTICO DE APRECIAÇÃO E VALORAÇÃO DAS PROVAS

O artigo 371 do novo CPC modificou profundamente o antigo e imperfeito sistema analítico de valoração das provas, que entregava ao subjetivismo do julgador a escolha do que lhe parecesse mais apropriado em relação à apreciação do conjunto probatório produzido no processo, para introduzir o chamado convencimento racional e objetivamente motivado do julgador.

Todos nós advogados guardamos memória do sistema vigente no código revogado e da evolução interpretativa do seu artigo 131, que tinha o seguinte discurso:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

Ao longo do tempo, a liberdade de apreciação da prova, ali prevista na locução apreciará livremente, deixou de ser um parâmetro racional para se constituir numa abertura sem balizas ao convencimento subjetivo dos juízes, inobstante a estrutura do código e o sentido ontológico daquela expressão pretenderem apenas afastar a aplicação do conhecido sistema da prova tarifada, em que a própria lei estabelece, em caráter vinculativo, a hierarquia de apreciação dos diversos meios de prova disponíveis.

Diante dos inúmeros erros de procedimento ocasionados pela equivocada interpretação daquele que foi denominado de sistema do convencimento motivado de análise a aplicação das provas, o Código de 2015 vem corrigir essas distorções, já agora num universo probatório extenso e aberto nele próprio consagrado, fazendo-o através do citado artigo 371, assim escrito:

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Essa nova redação estabelece uma nova visão e exige que os nossos juízes a percebam: muito embora continue sem se filiar ao sistema da prova tarifada, o legislador suprimiu do texto o problemático termo livremente, para demonstrar que não se permite o juízo subjetivo ou emocional no exame das provas e que as decisões devem seguir o figurino legal de valoração efetivamente racional dos elementos do processo.

Em outras palavras, a partir de agora o convencimento deve mesmo se pautar numa valoração racional das provas, algo assim como ensina MALATESTA, citado pelo inigualável MOACYR AMARAL SANTOS, em suas PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL (Saraiva, 2004. Vol. 1, pag. 354):

“O convencimento não deve ser, por outros termos, fundado em apreciações subjetivas do juiz; deve ser tal que os fatos e as provas submetidas a seu juízo, se fossem submetidos à apreciação desinteressada de qualquer outra pessoa racional, deveriam produzir, também nesta, a mesma convicção que produziriam no juiz”.

Ao que parece, todavia, boa parte dos juízes ainda não entendeu a mensagem. Pior: os próprios tribunais do país, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, têm resistido a essa relevante e necessária mudança de prisma, com algumas decisões mantendo na prática o antigo olhar sobre a questão, a exemplo do que se viu em julgamento de 2019 do STJ:

(...) O CPC/2015 manteve em sua sistemática o princípio da persuasão racional ou do livre convencimento motivado (...) conforme o disposto nos artigos 370 e 371 (...)”.

Precisamos compreender que não foi isso que o novo Código pretendeu. O artigo 371, ao contrário, expressamente suprimiu do texto o termo “livremente”, que era a senha para o emprego do subjetivismo do antigo sistema e o fez por deliberação expressa dos legisladores, aprovando emenda de autoria do Deputado PAULO TEIXEIRA, cuja redação foi a ele sugerida por uma comissão de juristas, dentre os quais FREDIE DIDIER e LÊNIO STRECK, segundo eles próprios já informaram em seguidas oportunidades.

Ainda bem que há divergência dentro do próprio STJ, de modo que ainda não estamos diante de uma questão definida no âmbito daquela Corte. A manutenção desse entendimento consagra absurdos, a exemplo de caso recente, do nosso escritório, em que a sentença desprezou a prova produzida no processo, para julgar com base em prova emprestada de outro feito, em que a parte condenada não tinha sido parte e - o que é pior - sem lhe possibilitar o acesso para avaliação da legalidade ou até mesmo para impugnar a prova trazida.

Além de se afigurar absurda e atentatória aos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, a decisão ainda fechou os olhos ao próprio sistema de valoração expressamente previsto na lei nova, aplicando um juízo intimista de apreciação inteiramente alheio ao sentido de objetividade e racionalidade que passou a vigorar.

É necessário muito cuidado na aplicação desse novo sistema. Mas é importante que nós, advogados, estejamos atentos para combater os desvios, desde os primeiros momentos e sempre com os olhos voltados para o desfecho final da demanda.

Afinal, não se pode deixar que um julgamento sobreviva com esse defeito até o momento do Recurso Especial, uma vez presente o risco de insucesso até no Superior Tribunal de Justiça, que poderá entender pela aplicação da sua Sumula 7.