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Breves anotações sobre recurso especial V: A correta demonstração do dissidio de jurisprudência

Voltamos ao Recurso Especial. Depois de uma pausa mais demorada voltamos ao tema, agora para abordar outro aspecto da formulação do recurso que exige muita atenção e muito discernimento do advogado, na medida em que são abundantes no STJ os casos de não conhecimento em razão da deficiência na demonstração de dissidio pretoriano, quando o RESP tem fundamento na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.


Como vimos antes, as restritas hipóteses constitucionais do recurso especial estão capituladas nas alíneas a, b e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal e a que nos interessa especificamente no momento é a terceira (alínea c), cuja redação prevê o cabimento quando a decisão recorrida “der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.


Ou seja, na sua missão constitucional de unificar a interpretação do direito federal, o STJ tem o poder/dever de corrigir as divergências de interpretação porventura editadas pelos tribunais estaduais e federais do país, exatamente para evitar que sobre um mesmo tema jurídico-legal se estabeleçam e se consolidem entendimentos divergentes entre esses tribunais.


É o chamado dissidio jurisprudencial ou pretoriano, para cuja solução o recurso especial se apresenta como indutor. Para isso, a sua elaboração deve seguir o figurino desenhado pelo parágrafo 1º do artigo 1029 do CPC-2015, pelo Regimento Interno do STJ e pelo chamado direito jurisprudencial construído pelas súmulas de jurisprudência editadas pela Corte sobre o assunto, que serão objeto de abordagem detalhada em outro capítulo desse tema.


Na elaboração o advogado deve estar consciente de que a sua missão é demonstrar, com absoluta precisão, a existência do dissidio entre o entendimento do tribunal que editou a decisão objeto do seu recurso e outro ou outros tribunais do país a respeito do mesmo tema legal.


Isso exige (i) estrita observância do procedimento estabelecido pelo artigo 1029 (parágrafo 1º) do CPC-2015, inclusive e principalmente no que toca à menção expressa às “circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”; (ii) o acatamento dos óbices e requisitos alinhados nas Sumulas 286 e 291 do STF e 13 e 83 do STJ e (iii) a habilidade para evidenciar que entre as duas interpretações a melhor é a do acórdão paradigma, que confronta aquele que é objeto do recurso que se está a elaborar.


Outras regras cuja gênese está na jurisprudência não sumulada do STJ exigem rigorosa observância, sob pena de não conhecimento do recurso por deficiência de fundamentação. Dentre elas merece destaque a principal: não é suficiente para demonstração da divergência apenas a invocação e transcrição das ementas dos acórdãos, porque essa divergência exige demonstração analítica dos pontos de confronto e de identidade entre os dois julgados, o que significa dizer: é necessário deixar evidente a identidade entre as questões de fato e de direito de um e de outro julgado e a diferença ou o choque entre a conclusão do chamado acórdão paradigma e a do acordão recorrido.


Não são poucas, ao contrário, são abundantes as decisões do STJ de não conhecimento do recurso pela deficiência na demonstração do dissídio, seja porque o advogado se limitou a transcrever as ementas, seja porque entre o acórdão paradigma e o recorrido não se apresenta a identidade da questão ou a identidade de fundamento legal ou ambas, seja ainda porque, apesar do recurso fazer referência ao teor de ambos os acórdãos, não ficaram suficientemente demonstradas as “circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”, que é a dicção expressa da parte final do parágrafo 1º do artigo 1029 do NCPC.


Uma solução segura é a elaboração de uma pequena tabela com três colunas e três linhas dentro das razões do recurso, em que na primeira coluna figure a decisão do tribunal recorrido; na segunda a descrição analítica das questões de fato e de direito e na terceira a decisão do tribunal paradigma. Já na primeira linha a descrição da questão de fato (que será idêntica ou muito semelhante entre as colunas 1 e 3), na segunda, a da questão de direito (que será igual para os dois tribunais) e na terceira as conclusões de cada um dos acórdãos, que serão necessariamente divergentes.


É uma forma segura de contornar os óbices jurisprudenciais e sumulares e conseguir levar o recurso especial a superar o segundo exame de admissibilidade, que será feito pelo Superior Tribunal de Justiça.