A possibilidade do conhecimento do Recurso Especial pelo STJ está diretamente ligada à superação dos óbices procedimentais previstos em diversas súmulas de jurisprudência editadas pelo STF e pelo STJ sobre o tema e consolidadas ao longo do tempo.
Pode parecer estranho que o STJ faça uso de súmulas geradas pelo STF, mas a explicação é simples: antes da promulgação da Carta de 88, cabia ao STF a unificação do direito federal, tanto na esfera constitucional quando na infraconstitucional e o vetor dessa tarefa era o Recurso Extraordinário.
A criação do STJ desmembrou a competência do STF e a parcela correspondente ao poder de unificação do direito federal não constitucional foi entregue à nova corte, que o exerce via Recurso Especial, cujo desenho deriva do antigo e tradicional Recurso Extraordinário e deste mantém, no que é comum a ambos, as características endógenas.
Ambos são catalogados na categoria dos “recursos extraordinários” lato sensu, definidos como aqueles gerados em fonte constitucional para a exclusiva tarefa de manutenção da integridade do direito federal, diferindo dos recursos ordinários porque a estes, em suas respectivas hipóteses legais de adequação, cabe orientar a correção e a justiça das decisões.
A identidade genética levou o STJ a “herdar” do STF algumas súmulas da jurisprudência por este editadas ao longo dos anos (algumas há mais de 60 anos), desde que o fator similitude justifique a pertinência quanto aos pressupostos de admissibilidade e de trânsito.
São relevantes, nesse locus, especialmente, as Súmulas 280, 281, 282, 284, 286, 291, 369, 399, 400, 733, 735 do Supremo, dentre outras de menor importância e aqui por isso não enumeradas. Do STJ, seguindo o mesmo critério de relevância, destacam-se as Sumulas 5,7,13, 83, 126, 203, 211, 320, 418 e 518.
Importante observar cada uma delas na elaboração do recurso especial. De um modo geral, qualquer uma é suficiente e bastante para impedir o trânsito do recurso e assim obstar o exame do seu mérito.
Dentre elas algumas não exigem maior delibação, porque são claras e diretas ou porque abordam temática elementar do recurso ou ainda porque perfilham dicção similar à da própria disciplina legal pertinente.
Outras, porém, exigem do artífice do direito um maior grau de sensibilidade e de acuidade jurídica, por enfocarem pressupostos inerentes à natureza intrínseca do recurso ou por desafiarem a própria formação cultural do advogado ou ainda porque o seu discurso, aparentemente simples e direto, se desdobra em variados matizes, capazes, cada um de per se, de fulminar o conhecimento do recurso.
Às primeiras apenas faremos breve menção, enquanto reservamos a estas últimas um exame mais detido, a ver em seguida.
Súmula 280 STF: Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.
Observe-se que o verbete, assim como todos os demais similares, utiliza a expressão “recurso extraordinário” grafada em minúsculas, exatamente porque se refere à espécie recursal e não ao recurso privativo do STF.
O seu teor pouco exige do intérprete, já que o discurso é direto e cortante. Ainda assim, não é raro ver recursos especiais fundamentados em ofensa a determinada lei estadual e até municipal. Assim elaborado, o primeiro revés vem logo no tribunal de origem e o golpe final no subsequente Agravo em Recurso Especial, que será fatalmente fulminado logo no primeiro escrutínio da Corte Superior.
Sumula 281 STF: É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.
O seu uso foi sensivelmente mitigado depois que o CPC de 2015 retirou do sistema o antigo recurso de Embargos Infringentes, destinado, na codificação de Buzaid, a aperfeiçoar o julgamento de segunda instância, quando ausente a unanimidade no órgão fracionário.
Permanece válida para os recursos especiais em matéria penal, vez que ali sobrevivem os embargos infringentes, assim como, na esfera processual civil, na hipótese de julgamento monocrático da apelação pelo relator do tribunal de origem.
Nesse caso, torna-se imprescindível a interposição do Agravo Interno previsto no art. 1021 do NCPC, porque o julgamento monocrático não esgota a instância e por isso desafia a aplicação dessa súmula.
Anote-se que não é incomum a oposição de embargos de declaração em lugar do agravo interno. Mas, nesse caso, mesmo que os aclaratórios sejam julgados pelo colegiado – que pode ocorrer -, permanece desatendida a exigência de esgotamento da instância, exceto se o tribunal receber os embargos como agravo interno, sob licença do parágrafo 3º do art. 1024 do NCPC, quando presentes os pressupostos nele elencados.
Se assim não ocorrer, ou seja, se os embargos forem julgados como tal - e não como agravo; ainda que o sejam pelo colegiado - e não pelo relator, a jurisprudência do STJ considera não suprida a exigência do verbete e o recurso não será conhecido (vide, por exemplo, Agint. no ARESP 940.272/PR - 3ª Turma – Relatora Min. Nancy Andrighi – DJe 24.02.2017).