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Breves Anotações sobre o Recurso Especial

A longa militância na advocacia, inclusive nos Tribunais Superiores, me fez perceber como é difícil obter sucesso num Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Depois de anos rebatendo e analisando grande quantidade de recursos interpostos por advogados sergipanos, cheguei a criar a falsa impressão de que éramos deficientes na formulação, dado o grande volume dos que voltavam sem sequer ter sido conhecidos, muitos deles – muitos, mesmo – por deficiência de fundamentação e consequente incidência da Sumula 284 do STF, que foi adotada também pelo STJ.

Quando busquei me informar no próprio STJ fiquei sabendo - até com um certo alívio - que o não conhecimento dos recursos naquela Corte Superior é um fenômeno que alcança marca superior a 90% (noventa por cento) dos apelos oriundos de todos os tribunais do país, por mais que possa parecer absurdo.

A processualística brasileira, diferentemente de diversos outros países, não restringe o acesso aos Tribunais Superiores aos advogados especializados e neles credenciados para isso, de tal modo que qualquer um de nós, advogados militantes, pode interpor e acompanhar qualquer recurso perante aquelas Altas Cortes. Isso torna comum a existência de recursos elaborados sem observância das sutis exigências legais e jurisprudenciais para o recebimento (conhecimento) e o trânsito, dando margem a esse largo percentual de rejeição.    

Como dediquei – e ainda dedico – boa parte do meu labor a estudar, elaborar e acompanhar recursos extraordinários (latu senso), desde que a advocacia no Banco do Brasil me obrigou a aprender como fazer isso de modo correto, acumulei um bom cabedal de informações, que tentarei aqui disseminar no intuito de contribuir para elevar o nível e, por consequência, as chances de acolhimento dos recursos especiais sergipanos pelo STJ.

A matéria é cheia de nuances que exigem tempo para entender, mas vou tentar ser breve e conciso e evitar tornar o texto professoral, chato e desinteressante. Isso vai ocupar algumas semanas dessa coluna, começando por esta.

Ao elaborarmos um Recurso Especial (REsp), devemos ter em mente que não se trata de um recurso de revisão e sim de fundamentação vinculada. Sua formulação exige técnica, precisão e fidelidade ao figurino do art. 105 da Constituição Federal, cujo inciso III elenca de modo exaustivo (alíneas a,b e c) as únicas hipóteses de cabimento. O recurso interposto fora dessas três hipóteses constitui erro grosseiro e não passará do primeiro exame.

Diferentemente da apelação e de todos os demais recursos cíveis (e criminais), o Recurso Especial não devolve ao STJ a revisão de tudo o que foi discutido e decidido no processo até então, mesmo porque ele não é um tribunal de revisão e sim de sobreposição.

Isso quer dizer que o STJ não reexamina fatos e provas do processo, tal como se fosse uma espécie de apelação superior. Ao contrário, fatos e provas passam longe do seu exclusivo foco constitucional, que é a unificação do direito federal. Por isso podemos concluir que o REsp deve combater não os fatos, mas os fundamentos legais do acórdão recorrido.

É muito comum – e errado – que a peça de recurso seja um libelo contra o acórdão recorrido, em que o advogado desfila um rebate sistemático ao entendimento do Tribunal de origem, tal como fizera antes na apelação, em face da sentença de primeiro grau.

É claro que a situação de fato do processo como um todo deverá estar de algum modo referida no recurso, mas é fundamental entender que ela não deve ser o foco da irresignação. Ao contrário, deve ser utilizada apenas para reforço do alvo do recurso e este deve ser exclusivamente o modo como o acórdão recorrido aplicou a lei federal àquela situação de fato.

Vale repetir que a função do REsp é ser instrumento e meio de invocar a tutela do STJ para o seu dever constitucional de unificação da interpretação da lei federal, corrigindo, quando for o caso, os equívocos de interpretação dessa legislação em relação ao caso em espécie (aplicação do direito em espécie, como diz a Sumula 456 STF).

Exatamente por isso – e para isso – o REsp não pode partir do fato para invocar o direito. Ao contrário, deve partir do direito para, emulando o fato hipotético que reclama a aplicação da lei federal, criticar a aplicação equivocada dessa lei e assim provocar a unificação, cuja consequência será o êxito (provimento) no recurso. 

Essa técnica de elaboração é fundamental para a possibilidade de êxito, uma vez que o Recurso Especial talvez seja, com toda certeza, o de mais difícil admissão, dentre todos aqueles destinados às Cortes Superiores. É possível afirmar, sem medo de errar, que o grau de exigência para o seu conhecimento supera o do próprio Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, ante o volume de pequenos e grandes óbices que se apresentam para o seu trânsito.

Do mesmo modo, é possível dizer que o grau de exigência formal do REsp é mais complexo que o nível de exigência relativo ao próprio ataque do mérito. Por isso que a maioria dos recursos, no percentual já referido no início, volta à origem sem sequer ter tido a questão de mérito analisada.

O STJ só examinará o mérito da questão se o recurso obtiver sucesso na fase de admissão (conhecimento), que se dá em dois momentos: o primeiro no tribunal de origem e o segundo no próprio STJ. A próxima coluna vai enfocar exatamente esse exame de admissibilidade.