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ACORDO DE NÃO PERSECUÇAO CIVIL NA AÇÃO DE IMPROBIDADE E A EVOLUÇÃO CONCILIATÓRIA DO PROCESSO BRASILEIRO - Parte II

Como anunciamos na semana passada, vamos estender, nos limites desse espaço, a compreensão e o sentido prático do chamado acordo de não persecução cível, instituído pela Lei 13.964/19, através da modificação do antigo parágrafo primeiro da Lei 8492/92, a conhecida Lei de Improbidade Administrativa.


O dispositivo em questão, cuja redação anterior vedava expressamente a celebração de acordo, agora está assim redigido: “as ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei”.


A mudança é fruto da evolução dos meios de mediação como solução jurídica imediata e eficaz de ressarcimento de danos materiais causados ao patrimônio público, uma tendencia que vem pedindo passagem ao longo do tempo de vigência da Lei de Improbidade Administrativa.


É uma escolha lúcida. A genética das ações de improbidade tende à longevidade. O iter procedimental é complexo e sujeito a intercorrências e incidentes processuais legais capazes de tornar inútil o processo para a finalidade perseguida.


Mas o insucesso – tal como o eventual sucesso - só se implementa muito tempo depois do início da ação. Com isso, somam-se às perdas que a ela deram causa aquelas decorrentes do elevado custo de mobilização do judiciário e dos atores processuais como um todo, avultando o prejuízo ao patrimônio público.


Em outro vértice, o excesso punitivo presente na LIA, via de regra atrai o exagero na aplicação das sanções nela previstas, de tal modo que a insegurança jurídica passou a se tornar uma circunstância inibidora do avanço da administração pública, fruto do temor generalizado dos seus agentes e gestores.


Foi por tudo isso que no ano de 2017, ainda na vigência daquele dispositivo agora revogado, a Resolução 179/17 do Conselho Nacional do Ministério Público (parágrafo 2º do artigo 1º) passou a admitir a celebração de compromisso de ajustamento de conduta em sede de improbidade administrativa, com o objetivo principal de viabilizar o ressarcimento ao erário e, em segundo plano, aplicar ao infrator alguma das sanções da LIA.
Mas isso não obteve a chancela do judiciário, nem mesmo após a edição da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB - a Lei 13.655/2018), cujo artigo 26 instituiu um novo paradigma na aplicação das normas de direito público e desde então, pontuam SÉRGIO GUERRA e JULIANA BONACORSI PALMA,

"qualquer prerrogativa pública pode ser objeto de pactuação, como a prerrogativa sancionatória, fiscalizatória, adjudicatória, etc. Não há objeto interditado no compromisso. A LINDB sepultou qualquer ordem de discussão sobre a tal "indisponibilidade do interesse público”.²


De fato, a prática foi repelida pelo STJ, como mostra o acórdão proferido no RESP 1.654.462, da relatoria do Ministro SÉRGIO KUKINA, em cujo voto realça o seguinte trecho:

“No caso concreto, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, em seu art. 26, caput, introduzido pela Lei 13.655, de 25/04/2018, autoriza que a autoridade administrativa possa, preenchidos determinados requisitos, celebrar compromissos com os interessados a fim de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.
(...) Ocorre que, em se tratando de irregularidade caracterizadora de ato de improbidade administrativa, deve prevalecer a norma especial prevista no art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992, que expressamente veda a possibilidade de transação, acordo ou conciliação.“


Em resumo, apesar do avanço conciliatório do processo brasileiro em todos os seus quadrantes, inclusive o do Direito Penal; apesar da avançada posição do Ministério Público no sentido da celebração de pactos capazes de viabilizar o efetivo ressarcimento do erário em troca da aplicação mitigada das sanções da LIA, não havia a segurança jurídica necessária à concretização de tais ajustes, ante a posição de alguns tribunais, inclusive o STJ a respeito.


Nesse cenário, a alteração do artigo 17 da LIA já se tornava mais que necessária, sob pena de se estancar uma prática benéfica e vantajosa para todas as partes envolvidas na ação, sem caracterizar benevolência com o ilícito, uma vez que alguma das sanções da lei será necessariamente aplicada/ajustada, em complemento ao ressarcimento aos cofres públicos.

Seguiremos ainda com esse tema, ante a sua relevância e atualidade.

 

² Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. FALCÃO, Joaquim; GUERRA, Sérgio (Editores). Revista de Direito Administrativo, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB (Lei 13.655/18). Rio de Janeiro: FGV Direito Rio Editora, nov. 2018, págs. 135/169.