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A REVISÃO DO SISTEMA LEGAL BRASILEIRO: AINDA SOBRE JUÍZES E GARANTIAS

Na semana passada a Coluna inaugurou uma linha de edição que pretende enfocar a série de mudanças legislativas que tem sido chamada de “Revisão do Sistema Legal Brasileiro”. Ali discutimos a polêmica instituição do Juiz das Garantias, cuja implementação, antes suspensa por 180 dias, agora foi adiada sine die.

Seguindo nesse painel, abordamos agora a modificação introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 371, a respeito do sistema analítico de valoração das provas no processo civil, que exige convencimento racional e objetivamente motivado do julgador.

Todos nós advogados guardamos memória do sistema vigente no código revogado e da evolução interpretativa do seu artigo 131, que tinha o seguinte discurso:

 Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

Ao longo do tempo, a liberdade de apreciação da prova, ali prevista na locução apreciará livremente, deixou de ser um parâmetro racional para se constituir numa abertura sem balizas ao convencimento subjetivo dos juízes, inobstante a estrutura do código e o sentido ontológico daquela expressão pretenderem apenas afastar entre nós a aplicação do sistema conhecido por  sistema da prova tarifada, em que a própria lei estabelece, em caráter vinculativo, a hierarquia de apreciação dos diversos meios de prova disponíveis.

Diante dos inúmeros erros de procedimento ocasionados pela equivocada interpretação daquele que foi denominado de sistema do convencimento motivado de análise a aplicação das provas, o Código de 2015 vem corrigir essas distorções, já agora num universo probatório extenso e aberto nele próprio consagrado, fazendo-o através do artigo 371, assim escrito: 

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Essa nova redação estabelece uma nova visão e exige que os nossos juízes a percebam: muito embora continue sem se filiar ao sistema da prova tarifada, o legislador suprimiu do texto o problemático termo livremente, para demonstrar que não se permite o juízo subjetivo ou emocional no exame das provas e que as decisões devem seguir o figurino legal de valoração efetivamente racional dos elementos do processo.

Em outras palavras, a partir de agora o convencimento deve mesmo se pautar numa valoração racional das provas, algo assim como ensina MALATESTA, citado pelo inigualável Moacyr Amaral Santos, em suas Primeiras Linhas de Direito Processual Civil (Saraiva, 2004. Vol. 1, pag. 354):

“ O convencimento não deve ser, por outros termos, fundado em apreciações subjetivas do juiz; deve ser tal que os fatos e as provas submetidas a seu juízo, se fossem submetidos à apreciação desinteressada de qualquer outra pessoa racional, deveriam produzir, também nesta, a mesma convicção que produziriam no juiz”.

Ao que parece, todavia, boa parte dos juízes ainda não entendeu a mensagem. Recentemente estive em um caso de condenação em que a sentença desprezou a prova produzida no processo, para julgar com base em prova emprestada de outro feito, em que a parte condenada não tinha sido parte e, o que é pior, sem lhe possibilitar o acesso para avaliação da legalidade ou até mesmo para impugnar a prova trazida.

Além de se afigurar absurda e atentatória aos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, a decisão ainda fechou os olhos ao próprio sistema de valoração expressamente previsto na lei nova, aplicando um juízo intimista de apreciação inteiramente alheio ao sentido de objetividade e racionalidade que passou a vigorar.

É necessário muito cuidado na aplicação desse novo sistema. Mas é necessário que nós, advogados, estejamos atentos para combater os desvios, desde os primeiros momentos e sempre com os olhos voltados para o desfecho final da demanda.

Afinal, não se pode deixar que um julgamento sobreviva com esse defeito até o momento do Recurso Especial, uma vez presente o risco de insucesso no Superior Tribunal de Justiça, que poderá entender pela aplicação da sua Sumula 7, que veda o reexame, naquele tipo de recurso, dos fatos e provas do processo.