Aos poucos vêm sendo efetivadas pelo Governo Federal, via Congresso quando necessário, algumas das inúmeras medidas prometidas pelos seus dois mais acreditados ministros – da Economia e da Justiça - para sanear, equacionar e modernizar o sistema legal do país, como consequência inevitável do verdadeiro mundo novo que a evolução social nos impõe.
Duas dessas prometidas mudanças debutaram em dezembro ultimo, com a promulgação da Lei 13.964, de 24.12.2019, a chamada de Lei de Moro, que “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”, como anuncia na ementa e da Lei 13.966, de 27.12.2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial e revoga a antiga e draconiana Lei 8.955/94, que até então regulava a matéria no Brasil.
Ambas entrarão em vigor agora em 2020, a primeira em 23 deste mês e a segunda em 27 de março, sendo que as duas consignam a sugestão de uma (r)evolução nos sistemas jurídicos aos quais se destinam.
Sobre elas esse espaço ainda dedicará muitas linhas. Hoje, porem, concentramos atenção apenas na instituição do chamado JUIZ DAS GARANTIAS, uma criação congressual que inovou no projeto encaminhado pelo Ministro Sergio Moro e que vem dominando o debate desde o seu surgimento até agora, quando o Ministro Dias Tófoli, Presidente do STF e do CNJ, editou medida prorrogando por seis (6) meses a regulamentação no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de implantar as bases de funcionamento do novo personagem.
Por que a nova figuração do Processo Penal tem causado tanta discussão, polêmica, divergência de opiniões e verdadeiro fogo cruzado entre os adeptos e os adversários da sistemática?
Por inúmeras razões de ordem doutrinária, é verdade. Por outras tantas razões de ordem funcional e estrutural, também é verdade, pela dificuldade de alocar nas varas e comarcas judiciais o contingente necessário de magistrados, capaz de fazer funcionar a contento o sistema e não atrasar mais ainda a entrega da prestação jurisdicional, um mal que ainda persegue o nosso Sistema Judiciário.
Tudo isso é fato. Mas nenhuma dessas razões explica tanto o debate quanto a polarização que o país tem vivenciado, especialmente depois da Operação Lava-Jato, com toda a sua espetacularização mas também com todos os seus louváveis resultados na guerra contra a corrupção.
O afunilamento do debate político responde em maior grau pela celeuma que a criação do Juiz das Garantias inaugurou. E o cerne da questão se cristaliza no prisma de análise de tudo o que acontece nesse campo no período pós-Lava-Jato. Assim, quem aprova o Juiz das Garantias ganha o carimbo de adepto do sistema corrupto a que estamos há décadas acostumados. Quem apoia a Lava-Jato não pode ser a favor da nova legislação e por aí vai.
Aqueles que assim entendem não enxergam o país além desse cenário. O processo penal não existe apenas para julgar os presos da Lava-Jato ou para sistematizar o julgamento de corruptos e criminosos de colarinho branco. Quem pensa assim esquece que o criminoso comum, o negro, o pobre, o outsider, esses constituem o grupo que tende a obter o maior benefício com a atuação do Juiz das Garantias.
Sim, porque a ele caberá atribuir efetividade na apuração penal, em coerência com os princípios constitucionais, analisando e deferindo, ou não, medidas que afetem a órbita de direitos dos indiciados. Vencida essa fase, as medidas restritivas porventura determinadas serão revistas pelo juiz da instrução e esse exame se dará em cenário de completa desvinculação com a fase anterior.
Mesmo que a gênese do instituto tenha sido, como dizem, uma deliberação parlamentar urdida no afã de aplicar uma espécie de “corretivo” em Moro e Dalagnol, protagonistas das mensagens de watts up que deram à luz os condenáveis métodos por eles utilizados no auge da Lava-Jato, ainda assim a concepção é boa e já funciona bem em países como a Espanha, por exemplo.
A sua implantação – se ocorrer mesmo – ajudará a tornar mais célere o processo e possibilitará uma decisão final mais isenta, porque proferida por juiz que não atuou na fase de apuração.
No mais, se algum risco assombra a continuidade da Lava-Jato e da agenda anticorrupção que ela iniciou, estou certo de que não será por efeito da criação do Juiz das Garantias e sim da conjunção de uma série de fatores que todos nós sabemos imaginar, costumamos antever e evitamos declarar