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O PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO E SUA APLICAÇÃO SOBRE AS MULTAS FISCAIS

As sanções impostas pelo Fisco devem ter a exclusiva finalidade de punir o agente infrator, sem, no entanto, restringir a situação jurídica do contribuinte mais do que caberia, aplicando-lhe multa excessivamente alta, capaz de se transformar num claro confisco dos bens do autuado, em confronto com o princípio do não-confisco, que, por sua vez, encontra eco nos também constitucionais princípios da proporcionalidade e da moralidade, contidos nos arts. 5.º, II, 37 e 150, IV, todos da Lex Mater, dentre tantos outros na Carta Fundamental.

 

A imposição de multa com alíquota excessiva, além de restringir as atividades do contribuinte, torna inócua a finalidade a que se propõe, pois, em vez de punir o sujeito passivo, retira-lhe patrimônio em prol do locupletamento ilícito do Estado.

 

A censura a esse comportamento amplamente inconstitucional da Administração Pública provém das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 93): “sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público”.

 

Desse princípio decorre o da razoabilidade, que impõe à Administração Pública o dever de obediência a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas das finalidades que presidiram a outorga de competência exercida.

 

Agir em colidência com o princípio do não-confisco, assim, significa punir além do necessário o sujeito passivo, transgredindo, também, o direito de propriedade previsto no art. 5.º, XII, c/c art. 170, II e III, da CF/1988.

 

A desproporção na aplicação da multa por força do suposto desrespeito à norma tributária evidencia claro caráter confiscatório, contrariando o disposto pelo art. 150, IV, da Lei Suprema, que proíbe expressamente aos entes tributantes “utilizar tributo com efeito de confisco”(inciso IV)

 

Ainda no dizer de Bandeira de Mello (2004, p. 93), “é óbvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme à finalidade da lei”.

 

     Isso importa afirmar que à multa aplicada é vedada a natureza confiscatória. O poder de penalizar não pode colocar o contribuinte numa difícil situação econômica, desvirtuando sua finalidade, como já decidiu o STF no julgamento da ADIn 2.010-2. E mais: a Corte Constitucional há muito sedimentou entendimento pelo qual o princípio do não-confisco abarca as multas decorrentes de autuação fiscal, sob a óptica de que qualquer ataque ao patrimônio do contribuinte não poderá resultar em seu significativo comprometimento (vide RE 3462263/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Jul/2005).

 

Em que pese os arts. 3.º e 5. º do CTN disporem que as multas não se amoldam como tributos, sua fixação não poderá fugir às regras gerais que imperam sobre todo o Sistema Tributário Nacional, posto que a imposição de penalidades pecuniárias decorre da chamada obrigação tributária acessória, nos moldes do art. 113, §§ 2.º e 3.º, da Lei Geral de Exações.

 

Kiyoshi Harada (2004, p. 447), ao tratar da matéria, destaca que o conceito de obrigação tributária se estende também às penalidades em pecúnia, em estrita sintonia com os ditames do CTN. A aplicação da pena, neste cenário, tem sua gênese na obrigação tributária, e sobre ela incidem, portanto, os princípios constitucionais tributários, dentre eles o do não-confisco.

 

Outrossim, convém explicitar que o art. 109 do CTN traz à baila a aplicabilidade das regras de direito privado à relação fiscal, exceto no que se relacionar à definição dos efeitos tributários. Em assim sendo, ao se trazer à colação os ditames privados, deparamo-nos com a vedação imposta pelo art. 412 do Código Civil atual, que repetiu a redação do art. 920 da Codificação de Beviláqua.

 

           E assim o é porque nosso ordenamento jurídico veementemente repudia o chamado enriquecimento sem causa, conforme verbera o art. 884 do Código Civil.

 

A importância da pena pecuniária se atém apenas ao ressarcimento do Fisco pelo inadimplemento dos valores devidos. Não poderá servir de escudo ao enriquecimento ilícito de quem quer que seja, ainda que se trate do Estado Tributante.

 

Cobrar obrigações tributárias principais – tributos – e acessórias – multas – neste diapasão, não poderá refletir o depauperamento indevido do contribuinte ou responsável. As multas fiscais, portanto, não poderão tomar as vestes do confisco, subsumindo-se aos mesmos princípios que regem todo o Sistema Tributário Nacional.