A autonomia de vontade individual tem sido objeto de diversas discussões quando se trata sobre a liberdade de crença e o direito à vida. São direitos fundamentais do cidadão, mas trazem um conflito quando aplicadas às situações que envolvam a transfusão de sangue por pessoas adeptas das “Testemunhas de Jeová”.
Os posicionamentos contrários e a favor têm favorecido um cenário de grandes discussões e debates que, de um lado sustentam a rejeição ao tratamento, com especial significado nos preceitos religiosos da fé, e doutro lado, a proteção à vida. São bens inextirpáveis da condição humana, sem dúvidas.
Sob a égide da Carta Constitucional de 1988, direitos são preservados e garantidos, porém é possível perceber que há notório conflito entre direitos outorgados à sociedade quando se relacionam à sua liberdade de crença e o direito à própria vida, que, para o Supremo Tribunal Federal, não tem caráter absoluto por significar garantia individual.
Na polaridade das discussões e nessa diversidade de entendimentos, há profissionais, dos mais variados segmentos da sociedade, que defendam o posicionamento adotado pelos adeptos dessa religião, considerando elementos jurídicos e religiosos com base científica.
Diante disso, a proposta é evidenciar sobre as hipóteses ocorridas cotidianamente, relativas ao tema abordado e como os médicos têm se portado perante estas, haja vista o fato de que eles devem respeitar as leis e o seu Código de Ética. Definindo-se o seu objetivo geral em demonstrar os conflitos decorrentes da interpretação legal dos institutos fundamentais sobre a crença e o direito à vida.
Sob o cenário que a situação demanda, e que costuma ter grande repercussão, é possível compreender sobre o dissenso de posições ocasionado pela enorme pressão médica para que realizem os procedimentos necessários a salvar vidas em detrimento à recusa adotada pelo cidadão “testemunha de Jeová”, que são vistas como extremistas na sua fé, colocando-a sobre a sua própria vida e dos seus familiares, independentemente da idade de cada um.
Numa visão antagônica sobre o respeito à vida, uma problemática se insurge e consolida a importância do assunto: deve o Estado intervir para obrigar o adepto da religião Testemunhas de Jeová a se submeter a tratamento em que a transfusão de sangue seja o indicativo para salvaguardar a sua própria vida?
A temática proporciona uma diversidade de premissas e debates a respeito da liberdade humana, da liberdade protagonizada pela autonomia da vontade do indivíduo sobre si mesmo, especialmente quando o impacto das suas decisões não interfere nos limites da liberdade do outro.
Trazendo novamente à reflexão o momento de pandemia deflagrado pela Covid-19, onde a liberdade de expressão foi conclamada para o não uso de máscaras ou de tratamentos clínicos e hospitalares propostos, é possível perceber que o conflito criado dispunha sobre a liberdade de não usar e, do outro, de exigir o uso para a proteção geral.
Conquanto a divergência de posicionamentos criada pela proteção ao direito à vida e à liberdade de crença, dos seus dogmas e liturgias, vislumbra- se o fato de que, ao negar-se a submissão aos tratamentos que impulsionem a transfusão de sangue, o indivíduo “testemunha de Jeová” coloca em risco a própria vida, tão somente a própria vida (sem predizer sobre a não importância dela).
A autonomia de vontade comporta riscos, assim como o livre arbítrio preconizado pelas religiões e, nessa seara, a morte deve ser compreendida como consequência da liberdade do pensamento, da consciência e do respeito às escolhas, enquanto o afrontamento a essa mesma liberdade implica em um tratamento degradante, pernicioso e ilegal. É preciso entender que a autonomia da vontade pretendida pelo indivíduo “testemunha de Jeová” é tão consistente quanto a autonomia de vontade resultante da opção pessoal de qualquer paciente.
Compreender um é entender o outro, é expressar justiça.
Texto escrito por Homero Sabino Ribeiro Chaves Felizola e Caio Martins Araujo Farias (Estagiários ER Advocacia)